19 de nov. de 2013

Aquela árvore deu flor:
Eis um poema completo
Afagando os olhos.
Ainda assim, desce o poeta
Aos porões do seu ofício.
Quer ser parte
quer ser pai
da primavera.
Artifício - diz o senso
Ledo vício, imaginar
o que quer dizer a flor
que só quer desabrochar.

Aquele árvore deu flor.

Um vento refresca
A testa e a têmpora
A poesia se espalha.

21 de mai. de 2013

Aventura


O velho, desconfiado
cutuca a paixão,
que parecia viva.

O velho, ainda descuidado
o faz de vara curta
("de seguro morreu o velho"
pensava ter ouvido)

Ensaia um fôlego, se aproxima
Faz uma rima, pra ver se ainda...
Ele sabe:
Figura tão linda, é bem capaz
de tirar-lhe a paz, de jogar-lhe a vida
na cara.

O peito vai tímido
soando sob as cicatrizes
Seu olhar se expande
Por pouco que ande
Já é jovem novamente
E já segue, inconsequente,
Uma estrada que só cor.

24 de abr. de 2013

Caminho


Se vai tonta uma palavra,
Caminhante, rútila e sozinha,
Nem por pouco titubeio:
- "É minha!"

De mãos dadas despertamos
Certas sombras pela estrada afora.
Somos jovens: "dai-nos tudo
agora!"

E se à dor eu me refiro,
Ou se ao riso dou razão,
É que canto qual respiro:
Não tenho opção.

A poesia é meu caminho,
Fascinado é meu olhar.
Cada flor e cada espinho
Em meu peito há de brotar.

18 de abr. de 2013

俳句 (Haiku/Haicai)



木の葉っぱは
悪口言えない。
太陽しずむ。

As folhas da árvore
Não nos podem maldizer.
O sol já se põe.

17 de abr. de 2013

Botânica


Eis que em meio a essas nuances,
Tombam folhas, nascem novas...
Mas o tronco é sempre o mesmo.
Vem o vento, quase a esmo,
Buscar provas que vivemos!

Venham sempre os ventos vários
Descabelar calendários:
Pouco pode florescer
De um bonsai dentro do armário!

16 de abr. de 2013

Pedra


Uma pedra a vagar no espaço
é uma pedra.

Uma pedra, a mesma pedra,
em órbita de planeta
é um satélite.

Uma pedra, a mesmíssima pedra,
em meta de colisão
é meteoro.

A vida sem paixão é uma pedra.

8 de abr. de 2013

Soneto em Manifesto



"Sê feliz" - diz a sombra do rebanho.
"Da dor te escondas pois que é prejuízo.
A vida é boa e é sujeito estranho
Quem não se prega sempre um largo riso.

Não olhes muito para quem tu és:
O poço é fundo, o mistério um perigo.
Guarda contigo as queridas marés
E será logo teu destino amigo."

Eu, no entanto, que bem rio e bem choro,
Ouço a morte na voz doce do covarde
Que deixa a vida evaporar dos poros

E vê na noite o falso o sol da tarde.
E diz, ao seu espelho, "já melhoro!",
E vive o seu viver pela metade.

28 de mar. de 2013

Oração


Bendito seja
O copo de cerveja,
O corpo do violão.

Bendito seja
O passo que graceja,
A próxima paixão.

Bendito cante
O ébrio peito arfante
Ainda a se entregar.

E que o pão nosso
- o tal pão de cada dia -
Seja ao menos poesia
E não venha a nos faltar.

26 de mar. de 2013

Fantasmagórico


No vasto pátio do meu coração
É carnaval. As palavras dançam
um baile de máscaras. 
Devidamente incógnitas
riem de mim. Mas 'inda lhes roubo
o puro prazer 
da fotografia
transcrita.

24 de mar. de 2013

雨が降っている


Nada é tão severo quanto a chuva.
Vê como ela cai:
indiferente ao teu sapato novo,
ao teu sapato velho,
ao teu pé molhado.

Impera em ritmo constante e próprio
- alheio.

E não morasse em mim
poeta tão ranzinza,
talvez achasse sob a chuva
a metáfora perfeita
de estar no mundo.

4 de fev. de 2013

Fragmentos


Penso em verso, penso em rima...
Penso tanto e nada se aproxima!

Destilo história, ideia e sentimento
Mas logro apenas estes secos fragmentos...

(Escrevo assim, de dois em dois
Pra acreditar que ficou bom, depois.)

Sei que o poeta apenas se habilita
Se traz da dor uma canção bonita

Mas por instantes meu amor te odeia
Pois que me deste foi a dor mais feia!

26 de jan. de 2013

A Companheira


Pode entrar, amiga.
Vi que me esperavas
no portão de casa.
(Chegaste cedo, achei que demoravas.)

Sabes bem, não sabes?
Nunca fui com tua cara.
Mas que dizer? Sempre tivemos
Um ao outro - és minha irmã
(dessas que nunca se teve)!

Vem, Solidão,
Te sirvo um copo.
Beberemos
do veneno amargo
dessa noite longa
dessa dor sem fim...


14 de jan. de 2013

Angústia



Tenho entalada
Nos olhos, na garganta e nos ouvidos,
Poesia sem tamanho.

Quero gritá-la
Porque não consigo.

Dança em chamas,
- labareda -
corpo adentro,
parasita ingrato
poema intangível
que tudo toma e pouco dá.

Ou antes vibra
em tema instrumental
(violão solitário);
que entorta os sentidos
que rasga o peito
sem nada dizer.

(este último segredo me contou Raphael Rabello tão logo liguei o som)


25 de dez. de 2012

A Saber


Me pergunto se já te disseram
- em profundidade -
quão bonita tu és:

Pois tens no rosto um sorriso marcado,
De quem consuma a vida firmemente
E os olhos que brilham como cantam os passarinhos
(os passarinhos que cantam em gratidão à beleza do dia);

Pois tens o corpo formoso,
Desejoso e responsivo ao desejo;
e as mãos sedentas, cheias de carinho
e a boca precisa, que se abre ao beijo
em ritmo inequívoco... És o amor.

Pois tens um fogo - ah! teu fogo...
(Nele me queimei e tenho as memórias ainda em brasa)
Melhor não dizê-lo.

Pois tens por fim (?) esse teu movimento
no mundo: livre, solto, corajoso...
De quem não pertence a nada nem a ninguém
senão ao próximo instante, à próxima aventura,
à próxima emoção.

És irmã do sol, amante da lua.
És um encanto. E eu te quero
Como quero as surpresas de um fim de tarde
Que se pintam nos céus tão conhecidos
mas tão diversas e de tempo incerto.

21 de dez. de 2012

Buquê


Se cada moça que eu amei fosse uma flor
Eu juntaria e faria um buquê;
Eu sentiria em cada flor
a poesia
da tristeza e da alegria
de se amar uma mulher;
E no conjunto esse buquê então seria
a tão-viva-antologia
de um trovador qualquer.